DEDICAÇÃO
22 de agosto de 2017 | Governo do Estado de Rondônia
Era dia 25 de junho de 2015 quando o Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia (CBM/RO) recebe a ocorrência de que um garimpeiro havia se afogado no rio Madeira, próximo à região de Velha Mutum-Paraná sentido Guajará-Mirim. Entre os bombeiros mergulhadores destacados para a missão estava o agora o coordenador de Recursos Humanos do CBM, tenente coronel Nivaldo de Azevedo Ferreira.
Ele não sabia, mas viveria naquele dia uma das experiências mais marcantes de sua carreira. Ao chegar ao local verificou que se tratava de uma área com a presença de muitas dragas, embarcação utilizada para extração de ouro. O tenente coronel então se certifica com os garimpeiros da reunião se eles haviam realizado trabalho de garimpagem na área. O que tornaria o mergulho muito difícil. Mas os garimpeiros negaram a atividade e garantiram que as dragas, que ali estavam, passavam apenas por manutenção.
A primeira equipe mergulha em uma profundidade a cerca de 30 a 33 metros e retorna em 30 minutos sem sucesso na missão. Então chegou a vez do tenente coronel Nivaldo e do companheiro mergulhar. ‘‘Em uma determinada profundidade senti que meu corpo estava paralelo ao cabo guia e então pensei: estamos em um buraco! Eu comecei a contar as braçadas e deu ali mais ou menos oito braçadas o que corresponde de oito a dez metros de profundidade’’. Então ele constatou que os garimpeiros faltaram com a verdade.
‘‘Chegamos ao fundo, ali você não houve nada só o barulho das bolhas de ar que estamos soltando e o único contato com o companheiro era no tato. Então comecei a fazer a varredura deitado no chão e percebi que ao meu lado esquerdo tinha uma saliência. Era perto de um barranco e escutei um estalo tipo a uma árvore quebrando’’.
O tenente-coronel então teve a reação de empurrar o companheiro para cima e foi quando recebeu uma pancada no lado direito e apagou. ‘‘Foi tudo muito rápido. Na hora só pensei: morri, naquela escuridão e a 30 metros de profundidade’’, relembra. Ele acordou dentro da correnteza e bebendo água. Tentou encontrar o stage, um cilindro adicional com objetivo de acelerar o processo de descompressão, mas não conseguiu devido à correnteza está muito forte.
‘‘Eu percebi que já não engolia mais água, porque quando estava desmaiado já havia bebido muita e meu pulmão estava encharcado’’. Bombeiro mergulhador há 22 anos, com larga experiência, constantes treinamentos e uma boa condição física fizeram a diferença. Com as mãos ele foi tentando retirar a lama que estava até o umbigo e movimentando o corpo ele conseguiu tirar os pés, sendo que uma das nadadeiras ficou enterrada.
Então equipado com o colete, soltou o cinto que pesava 16 quilos, a correnteza o levou. Foi aí que ele viveu uma experiência fora do comum. Sentiu em corpo uma forte descarga de adrenalina. Ele pensava na esposa, nos três filhos e no pai. ‘‘Meu pai faleceu quando eu tinha dez anos e eu conversava com ele. Dizia pai eu estou indo lhe ver e esboçava um sorriso. Mas o pensamento nos meus filhos e na minha esposa fazia com que eu não quisesse ir’’, relata.
‘‘O processo de desfalecimento é muito tranquilo, não há dor. Eu até achava que em algum momento eu teria uma parada cardíaca, mas foi tudo muito sereno. O desespero era devido não querer morrer. As informações se processam de forma muito rápida e clara’’. Ele boiou cerca de 120 metros do local do mergulho. Pronto, estava a salvo.
Mas a partir desse acidente, segundo o tenente coronel, o Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia criou uma normatização para evitar que situações como essa se repitam. ‘‘Hoje áreas de garimpo a gente não mergulha. Nós queremos salvar vidas, resgatar corpos, mas precisamos garantir que não sejamos vítimas também’’, explica.
Para ele, o medo deve fazer parte da profissão, pois é o que garante que o bombeiro terá cuidado ao realizar a missão. Afinal, como não ter medo diante de um jacaré-açu de cerca de seis metros de cumprimento? A fauna subaquática do Madeira é outro desafio dos bombeiros mergulhadores. O tenente-coronel lembra bem do fato ocorrido no ano de 1998, quando duas famílias que participavam da festa do Divino, no distrito de Calama, sofrerem um acidente nas águas.
Um vendaval virou a embarcação e como todos estavam sem coletes, uma mulher e quatro crianças desapareceram nas águas. Eles começaram a vasculhar em meio as folhagens andando de ré, uma estratégia utilizado justamente pelo risco de encontrar jacaré. ‘‘Até porque ele é um animal no topo da cadeia alimentar que ao se deparar com a gente ele não corre. O meu companheiro de mergulho levou minha mão para apalpar o jacaré, identificado o perigo, subimos’’.
Depois ambientalistas chegaram ao local e explicaram que o local abrigava muito jacarés. Mesmo assim, eles mergulharam novamente e conseguiram recuperar o corpo de uma criança de seis meses.
Outro que também não nega o amor pela profissão é o ajudante geral do CBM/RO, capitão Aldir Prihl. Ele relembra algumas ocorrências marcantes ao longo de mais de duas décadas como bombeiro mergulhador, como em 2011 quando uma embarcação de recreio afundou com 11 pessoas.
Cada mergulho é uma sensação única. Eles nunca sabem o que vão encontrar no fundo do rio e os riscos são constantes, mas eles enfrentam os próprios medos para resgatar vítimas ou mesmo recuperar corpos para que as famílias tenham seu último momento com o ente querido. Atuam ainda na recuperação de bens e principalmente na prevenção orientando os banhistas tanto em locais públicos e privados para que não ocorra o risco de afogamento. Uma profissão que exige vocação e muita vontade de ajudar o próximo.
‘‘Ser bombeiro mergulhador é uma dádiva que Deus dá algumas pessoas movidas pelo desejo de ajudar e é muito gratificante’’, considera o capitão Aldir Prihl.
VOCAÇÃO
Segundo o diretor de Inteligência e Assuntos Estratégicos do CBM/RO, o capitão BM Douglas Samuel de Araújo, o Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia conta com 89 bombeiros mergulhadores. Até o final do ano será aberto um novo curso de especialização de mergulhadores para uma nova turma, mas o capitão já adianta que poucos conseguem ser aptos a profissão.
‘‘Muitos bombeiros não têm condições, não conseguem desenvolver essa aptidão até o final do curso, e outros não têm vontade, afinal é uma classe que corre risco eminente tanto biológico como pela própria pressão atmosférica’’, disse o capitão.
Tanto que a legislação determina que haja uma retribuição em relação a esse desgaste orgânico. ‘‘Aqui em Rondônia é de 8,08% de soldo, mas nós estamos com um projeto em andamento para equiparar essa compensação com o que determina a legislação federal que é de 20%’’, explica.
De acordo com o capitão, o curso de salvamento aquático faz parte da grade curricular do curso de formação de soldados, cabos, sargentos e oficiais, já o mergulho requer especialização. ‘‘Só mergulha os militares que fizeram um curso de especialização dentro do Corpo de Bombeiros’’, esclarece.
O curso tem duração de cerca de dois meses. ‘‘Ensina o militar a resolver problemas embaixo da água como em caso do equipamento apresentar alguma falha. Aqui em Rondônia, por exemplo, nós temos águas turvas o que compromete a visibilidade então esse curso ensina a desenvolver o instinto de resolver a situação só pelo tato’’.
É preciso também lidar com questões psicológicas. ‘‘Como em caso do mergulhador ficar preso a alguma coisa dentro da água ele conseguir manter a calma para se desvencilhar dos obstáculos. Ensinamentos necessários para que quando ele for para uma ocorrência real ele não se torne uma vítima e sim um resolvedor de problemas’’, destaca o capitão.
Os bombeiros mergulhadores também passam por treinamento sempre que novos equipamentos são adquiridos. Além disso, todos os meses há treinamento com simulação de resgate de vítima em situação de afogamento, buscas e cálculos de autonomia no mergulho e a cada seis meses realizam treinamento mais avançado com ensinamento teórico e técnico. Treino e muita preparação para forjar os heróis das águas de Rondônia.
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Fonte
Texto: Vanessa Moura
Fotos: CBM/RO
Secom - Governo de Rondônia
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