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18/11/2024

PERSONALIDADES

História de Rondônia: Jerônimo Santana reconquistou a Ponta do Abunã, mas frustrou plano de mudar a capital para Ji-Paraná

22 de abril de 2019 | Governo do Estado de Rondônia

Jerônimo recebe em Porto Velho o ex-presidente do MDB, Ulysses Guimarães

Defensor de garimpeiros desempregados com a chegada de máquinas de grandes empresas que passaram a extrair cassiterita (minério de estanho) a partir de 1970, o ex-deputado Jerônimo Santana chegou ao governo em 15 de março de 1987, com 153.334 votos, e nele enfrentou o desafio de reintegrar ao Estado de Rondônia 500 mil hectares de terras da Ponta do Abunã.

Jerônimo foi o primeiro prefeito eleito de Porto Velho e o primeiro governador também eleito desde 1943, quando o presidente Getúlio Vargas criara o Território Federal do Guaporé. Governadores eram todos nomeados por presidentes.

Da mesma forma que o coronel Jorge Teixeira de Oliveira em seu segundo período, Jerônimo debateu-se com desentendimentos e crises partidárias.

“Seu desgaste começou a partir do momento em que resolveu compor o primeiro escalão com técnicos residentes em outros estados, aí perdeu aliados”, lembra o historiador Francisco Matias.

Para Matias, o relacionamento do governador com o funcionalismo público foi “catastrófico” por causa do achatamento salarial, de greves e manifestações contrárias às demissões efetivadas, e dos constantes atrasos de pagamentos de servidores estaduais e federais à disposição do estado. Jerônimo deixou o governo sem conceder um só reajuste que atendesse ao Plano Bresser (gatilho salarial), entre outros direitos do funcionalismo.  O plano Bresser, instituído em 12 de junho de 1987, visava a estabilização da economia brasileira.

Por ordens da governadora Yolanda Fleming (PMDB), a Polícia Militar do Acre ocupava a Ponta do Abunã entre 1986 e 1987, durante o mandato-tampão do governador Ângelo Angelim, nomeado por ato presidencial a exemplo de tantos outros dos extintos territórios federais do Guaporé e Rondônia.

O Acre ali instalara diversos órgãos administrativos, o seu banco estadual, unidades de saúde,companhias de energia elétrica e de águas, e posto fazendário, contava Aparecido Ferreira da Silva, ex-funcionário do Banco do Estado de Rondônia (Beron) e morador em Extrema.

Depois de Rio Branco, a região representava a segunda fonte de arrecadação e significativo colégio eleitoral com inscrições feitas então pelo TRE-AC.

No entanto, a ocupação do braço ocidental do Estado de Rondônia pelos vizinhos desrespeitava o limite centenário da Linha Geodésica Beni/Javari, ou Cunha Gomes [marco divisório e fronteiriço com o Peru, culminando na Vila Murtinho].

 

“Invadem o território rondoniense usando táticas alexandrinas de conquista, com o fito de agradar os habitantes da região e no intuito de promover, no futuro, um plebiscito separatista”, protestava em 17 de maio de 1989 o senador Ronaldo Aragão (PMDB).

 

Aragão alertava para o fato de as limitações impostas pelo governo federal não impedirem a invasão. Mesmo com a criação do estado pela Lei Complementar nº 41, os vizinhos passavam a considerar consolidada aquela faixa de terras.

Laudo técnico assinado pelo diretor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mauro Pereira, e divulgado em 26 de novembro de 1987 sob o título “Nota técnica da diretoria de geociência”, atendia o convênio firmado pela Comissão Tripartite, representada pelos estados do Amazonas, Acre e Rondônia para levantamento cartográfico e geodésico firmado pelas partes em 19 de fevereiro de 1986.

Assim, o município de Porto Velho continua até hoje com seus 34 mil quilômetros quadrados, área individualmente maior que a dos estados de Alagoas e Sergipe.

“A ÁGUIA POUSOU”

Coronel Vanir Ferro comandou as tropas no Abunã

Sucederam-se reuniões, contou em 2009 o advogado Tadeu Fernandes em artigo publicado no site Gente de Opinião.

Para instalar em Extrema e Nova Califórnia agências Beron, Companhia de Águas e Esgotos (Caerd), Departamento de Estradas de Rodagem, Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), Circunscrição de Trânsito (Ciretran),Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Companhia de Armazéns Gerais (Cagero), e Comissão Executiva dos Vales do Madeira, Guaporé e Mamoré (Cemaguam). Jerônimo também anunciava projetos para a construção de hospitais, escolas, estradas urbanas e rurais, e aeroportos.

Antes da retomada, o ex-governador Jorge Teixeira lá desembarcava de helicóptero. Houve um fato hilariante, lembra-se o jornalista Lenilson Guedes, que acompanhava a comitiva governamental: “O comando da PM determinou aos P2 [policiais da Inteligência] que se infiltrassem disfarçados entre os invasores acreanos, para verificar possíveis uso de armas, mas  o coronel Vanir Ferro se  deparou com eles usando óculos escuros e chapéus de marcha. Bradou, então, aos policiais que se fosse daquele jeito, era melhor ir fardado, porque se esconderiam melhor”.

Depois, no governo Jerônimo, o vice-governador Orestes Muniz, o procurador geral do estado Pedro Origa Neto, e o comandante da PM, coronel João Maria Sobral Carvalho encaminharam relatórios e ofícios a Brasília. Pessoalmente, eles procuraram o ministro das relações institucionais, general Bayma Denys, e o ministro da Justiça, Oscar Dias Corrêa – sucedido por Saulo Ramos –, sem resposta convincente.

Jerônimo radicalizou, baixando decreto governamental inédito, apenas com número, para a execução do plano sigiloso do resgate territorial. “Somente depois de desencadeada a operação, quando o sigilo não mais se justificava, é que fora publicado na íntegra; nesse decreto o governador me nomeava para coordenar as ações da retomada da Ponta do Abunã”, relatava Tadeu Fernandes três décadas após o ocorrido.

O garimpo do Madeira também estava em pauta no governo. Na região do Abunã a exploração de ouro envolvia brasileiros, bolivianos e também exigia a intervenção do estado.

Segundo o advogado, as diretrizes gerais para as ações de cada órgão público eram tomadas em reuniões do alto comando da PM e da Polícia Civil. O planejamento setorial ficava em Extrema, a 328 quilômetros de Porto Velho.

“Reunimos várias vezes no Comando da PM com o coronel Carvalho, e foi aí que conheci o alto grau de competência na montagem do plano de retirada dos invasores: tudo bem planejado, para evitar confrontos que poderiam resultar em mortos ou feridos”, contava Fernandes.

 

 

Na noite do dia 12 de maio de 1989 todos compareceram no Comando para a saída das tropas, e dali saíram centenas de militares em 98 viaturas; no auge da crise, chegaram a aproximadamente 700.

 

Nem os soldados sabiam o motivo da sigilosa operação. “Eles imaginavam que iriam combater a criminalidade nas balsas e dragas que faziam garimpagem no Rio Madeira, e quando a corporação se preparava para a travessia do rio, pela balsa do Abunã, as viaturas tiveram que ser substituídas por caminhões e basculantes de uma empresa privada, porque os veículos do governo não conseguiam entrar na balsa”.

Às 11h15, o advogado coordenador recebia a comunicação do coronel Ferro: “Comandante, a águia pousou. A Ponta do Abunã é de Rondônia. Operação sem alteração e sem baixas”.

As tropas ocuparam a região sem nenhuma reação e cercaram os dois distritos de maneira ordeira. Era um fim de semana: políticos e autoridades do Acre se encontravam em Rio Branco.

“Conduzimos alguns funcionários até a divisa, em seguida o governador Jerônimo Santana, comigo e com o vice-governador Orestes Muniz, Coronel Carvalho, Chagas Neto, Moisés Bennnesby, Valter Bártolo, hasteou a bandeira de Rondônia, com a execução do hino pela banda musical da PM”, acrescentava.

O coordenador lembra também no relato, a colaboração dada à operação pelo então diretor geral do DER, Valdir Raupp de Matos; pelo vice-governador Orestes Muniz; pelos secretários Manoel Messias, Roberto Duarte e Olímpio Távora; pelos coronéis PM Borre, Carvalho, Ferro, Ferreira, Zimmermann e Lucena, major Valmórbida; e todo efetivo da Polícia Civil.

CAPITAL EM JI-PARANÁ, PLANO FRUSTRADO

Jornalista Carlos Sperança: ele fez um bom governo

Jerônimo tentou mudar a capital do estado para Ji-Paraná, a 367 quilômetros de Porto Velho, e foi hostilizado. Projeto de lei nesse sentido fora apresentado pelo deputado estadual Edson Fidélis (PMDB).

Fidélis propunha Ji-Paraná, enquanto Jerônimo preferia Alvorada d’Oeste.

“Foi o deputado Amizael Silva (PDS) quem articulou para evitar a consolidação desse plano, com o voto decisivo do deputado de Jaru, Silvernani Santos, acusado de trair o interior”, lembra o jornalista Carlos Sperança.

“Se tivesse êxito o projeto faria de Jerônimo um JK do norte brasileiro. A capital se situaria na região de Mirante da Serra”, ele comenta.

Surpreendentemente, o governador desagradou a capital, deixando de apoiar efetivamente Tomás Correia. “Eu notei que ele foi tratado a pão e água, entretanto, Jerônimo agradou bastante o adversário Francisco Chiquilito Erse, facilitando-lhe a construção de avenidas saneadas e estruturadas, entre as quais, a Jorge Teixeira (antiga Kennedy) e a Rio Madeira.

Jerônimo sofreu outras frustrações ao ser boicotado pelo PFL. Para Sperança, a primeira-dama Palmira Santana influenciava no governo, mas não em pastas com poder de decisão. “Autarquias criadas nos idos de Teixeirão já começariam a tropeçar na gestão Angelim, naquele governo-tampão, continuando com Jerônimo e outros governadores até o ponto lastimável que chegaram, inclusive a Caerd, criada nos tempos do território”, assinala.

UM OLHAR PARA OS RIBEIRINHOS

Na análise de Sperança, ele fez bom governo, embora tenha deixado o Palácio Presidente Vargas desgastado com a opinião pública e sem conseguir eleger o vice Orestes Muniz, seu sucessor.

“Foi bom, porque deixou o seu melhor legado em estradas, na estrutura da malha viária rondoniense que ganhou vulto naqueles idos de grande fluxo de migrantes”, assinalou o jornalista.

Em março de 2008, o jornalista Paulo Queiroz comentava:

“Eleito em 1986, Santana até que não fizera uma administração das piores. No entanto, por conta de uma brigalhada sem fim entre os peemedebistas, e por uma atuação para lá de competente das oposições, chegou ao último ano do governo em petição de miséria política. Para se ter ideia do bode de bicheira em que se transformara, basta dizer que, entre seis candidatos, o então vice-governador Orestes Muniz amargou o sexto lugar, abaixo até do desconhecido Inácio Lemke (PT)”.

“Com o assassinato de Olavo Pires, o 2º turno estava sendo disputado entre Raupp – que concorria pelo partido de Fernando Collor (PRN) – e Osvaldo Piana (PSC). Desnecessário dizer que ninguém queria saber de negócio com o homem da bengala – como era conhecido o governador”.

Para o acadêmico de Letras Matias Mendes e homem do interior  – ele é de Costa Marques –, o governo Jerônimo foi “dos piores para os centros urbanos de Rondônia, mas teve a virtude de atender as comunidades ribeirinhas do Madeira, do Machado e do Guaporé”.

Lembrou Matias as razões desse feito: ao criar a Cemaguam, confiou a poderosa superintendência à gestão de Walter Bártolo, dotando-a de orçamento compatível com as necessidades ribeirinhas. “Walter Bártolo, conhecedor profundo dos beiradões do Madeira, do Mamoré e do Guaporé, foi a sopa no mel, a grande oportunidade que ele esperava para levar melhorias às regiões ribeirinhas, das quais ele era tão íntimo”.

A área de atividades da Cemaguam abrangia desde o distrito de Demarcação, no rio Machado, ao Cabixi, na divisa de Mato Grosso e Rondônia. Sua estrutura incluía os Serviços de Navegação dos Vales do Madeira e Guaporé e outros órgãos que atendiam regiões ribeirinhas.

Bártolo trabalhou pela integração das comunidades ribeirinhas, dotando-as de infraestrutura de produção: casas de farinha, centros sociais, postos de saúde, embarcações miúdas com potentes motores de popa, geradores estacionários, antenas parabólicas, instalações de pequenas agroindústrias, pequenos tratores e outros equipamentos. “Algo nunca visto, nem nos áureos do governo do coronel Jorge Teixeira”, sublinha Matias.

Demarcação, Calama, São Carlos, Nazaré, Terra Caída, Papagaio e outras comunidades do Vale do Madeira tiveram visibilidade, e da mesma forma, o distrito de Surpresa, no rio Mamoré, as comunidades de Santo Antônio, Pedras Negras, Rolim de Moura e outras do Vale do Guaporé.

“Unificados, os dois serviços de navegação [Madeira e Guaporé] fizeram surgir a Empresa de Navegação de Rondônia [Enaro], que teve o seu acervo renovado e reequipado com barcos novos ou recuperados, e novas embarcações de apoio à navegação”, lembra Matias.

FIM DE CARREIRA

Jerônimo deixou o governo em 15 de março de 1991. Tinha diabetes e era hipertenso. Sofreu um derrame, resistiu e passou o resto da vida numa cadeira de rodas, em Brasília, onde morava desde o final da década de 1980.

Em 1982 foi candidato ao Senado Federal, obtendo 67.188 votos, o quarto colocado no estado. Em 1984 voltou ao controle político e, em 1985, elegeu-se prefeito de Porto Velho.

“Foi Jerônimo quem conduziu “o processo político que culminou com a demissão do governador Jorge Teixeira e a indicação de seu substituto”, lembra o historiador Francisco Matias.

Conforme o historiador, já no final do seu governo ele fora acusado de corrupção e sofreu impeachment decretado pela Assembleia, mas o ato não durou mais que 24 horas.

Jerônimo acumulava sucessivas vitórias desde os anos 1970, mas na década de 1990 amargava fragorosas derrotas. Lembra o historiador: “Por sua condição de líder maior do PMDB, granjeou todos os méritos das vitórias e absorveu o ônus das derrotas políticas e eleitorais, o que aconteceu na convenção regional de 1993, quando foi impedido de apresentar chapa para concorrer ao diretório e ficou fora do partido por ele fundado e dirigido por mais de três décadas”.

Sem espaço, quis ingressar no PTB, mas sua inscrição fora indeferida pela direção nacional desse partido. Gosto amargo para um homem que fez mais pelo trabalhismo na Amazônia, do que alguns dirigentes e membros da sigla originalmente getulista.

“No início de 1994, contrariando sua própria trajetória política, ingressou no PPR [sigla surgida da fusão do PDS com o PDS] e se candidatou ao governo, obtendo míseros 11.281 votos, ficando em penúltimo lugar no cômputo geral; em outubro, filiou-se ao PFL”, observa Matias.

Em casa, na capital federal, emocionava-se ao lembrar da luta pela elevação de Rondônia a Estado. Em 1978, seu projeto de lei para esse fim fora modificado pela assessoria do ministro do Interior, Maurício Rangel Reis. “Eles copiaram!”, protestava, retirando da estante o original, de sua autoria.

Tentou três vezes, por lei complementar, elevar Rondônia a estado, porém, na votação da lei que o criou, exercendo a liderança da bancada do MDB na Câmara, absteve-se de votar.

Morreu em 11 de setembro de 2014, de insuficiência respiratória, num hospital do Rio de Janeiro.

O HOMEM

Relator da CPI da Terra [Sistema Fundiário Nacional], ele foi um dos homens mais visados pelo regime. Três vezes deputado federal, Jerônimo Santana (MDB) teve o nome na lista dos “cassáveis” durante o governo do general Ernesto Geisel.
Foi membro da CPIs das Áreas Indígenas, da Política Mineral e da Ocupação da Amazônia.
Na Câmara dos Deputados foi vice-presidente da Comissão de Minas e Energia e da Comissão da Amazônia. Participou ainda da Comissão de Interior e da Comissão de Fiscalização Financeira e Tomada de Contas.
São de autoria dele os projetos de lei criando as comarcas de Cacoal,Guajará-Mirim, Ji-Paraná, Pimenta Bueno e Vilhena.
Deixou as seguintes publicações: A questão garimpeira de Rondônia, A cassiterita de Rondônia entregue a grupos multinacionais, Pela Criação do Estado de Rondônia – uma luta de oito anos.

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Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Arquivo Sejucel e Sílvio Santos
Secom - Governo de Rondônia

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