Especial Pós-Enchente
08 de maio de 2014 | Governo do Estado de Rondônia
O distrito de Abunã, juntamente com Araras, talvez sejam as localidades mais afetadas em termos de quantidade de pessoas da cidade atingidas pela cheia. A margem esquerda (sentido Acre) afetou quase todas as residências. Muitas, a lama tomou conta do pátio e do interior da casa. Em Araras, as histórias de sofrimento são muito semelhantes. Mas todos tem um pensamento em comum: recomeço.
A comerciante Domiana Magalhães Soares, em Abunã, toca um mercadinho que vende de tudo um pouco, além de água em galão e gás. Anexo tem uma pousada. Ela afirma que no auge da cheia seu marido pagava para poder atravessar mantimentos nos pontos alagados, mas “paramos, pois estava ficando muito caro”.
Até o momento, a empresa que fornecia água em galões ainda não apareceu para reabastecer o estoque. O gás, ficaram 15 dias sem o produto. Outro prejuízo para a família foi no sítio que possuem onde “perdemos 40 cabeças de gado”, diz afirmando que outros vizinhos perderam muito mais. “Tudo ficou alagado, não tinha pra onde levar o gado”, fala com lágrimas nos olhos.
Na Estação de Tratamento de Água (ETA) da Caerd, mesmo com o trabalho eficiente do responsável local aumentando com tijolos o muro de proteção, vândalos derrubaram o muro “não sei com que intenção”, afirma um popular que passava pelo local. Segundo ele, o frigorífico local possui uma ETA e a Caerd interligou o sistema e retomou o abastecimento à cidade.
Segundo Reinaldo Morgado, Gerente administrativo e financeiro do frigorífico Nossa Carne, em Abunã, o auxílio foi grande ao distrito, mas necessário. “Era a ordem do nosso diretor de auxiliar no que fosse necessário”. O frigorífico, além da água auxiliou na alimentação (foram mais de duas mil refeições servidas) da equipe do corpo de bombeiros, defesa civil, “até telefone e internet para o pessoal que estava preso na estrada nós ajudamos”.
Além disso, o frigorífico cedeu alojamento para a estrutura do governo e, segundo ele, “a água ainda está ligada ao sistema, se for necessário, continuaremos a ceder água para a população”. Ele disse que tiveram de dar férias coletivas aos funcionários e demitir. “Tínhamos 240 funcionários, hoje 160”.
A capacidade de abate do frigorífico é 350 cabeças/dia, mas estão fazendo abate apenas três vezes na semana. A distribuição da carne é para Rondônia e Acre, principalmente.
A moradora de Abunã, Maria Vânia Marques, teve sua casa tomada pela enchente em quase um metro. Teve de mudar para uma outra casa que alugou em Vista Alegre. Voltou para casa há dois dias tendo ela e a família limpado a casa com desinfetante e sabão em pó após dois meses fora de casa.
Agora o medo é com o próximo ano. “Não sabemos se vai acontecer de novo ou não”. Ela disse que parte disso tudo é das usinas, pois o rio “não corre mais livre como corria”.
ARARAS
Saindo de Abunã tomamos rumo à BR-425, em direção a Nova Mamoré e Guajará-Mirim. Encontramos um grande contraste na estrada, em trechos com ótima conservação e outros em péssimas condições de trafegabilidade devido a quantidade enorme de buracos, como na altura do KM 50 em que a precariedade é grande, além de um trecho de cerca de 300 metros ainda estar tomado pelas águas.
Ao ultrapassar esta barreira, se chega a ponte do Igarapé Periquitos (alguns denominam a ponte como do Araras, pela proximidade ao distrito), onde há formação de enorme fila para ultrapassá-la, em ambos os lados. O sentido Porto Velho-Guajará a fila é muito maior formada por caminhoneiros, carros de passeio, trabalhadores rurais, comerciantes e ônibus de passageiros.
Ao se aproximar da ponte já havia um estresse entre alguns motoristas pois alegavam que estavam “furando a fila”. Aos gritos um cidadão dizia que “o correto é ir oito daqui e vir oito de lá”. O tumulto era maior pois um motorista de um veículo Corsa tentou ultrapassar sem o auxílio dos trabalhadores e acabou caindo em buraco da ponte, quase tendo um prejuízo enorme.
Ao conseguir sair da ponte ele não quis falar, mas ao abrir a porta o veículo estava tomado pela água. Ele retirou a água do veículo, deu partida e foi em direção a Porto Velho com outros 4 integrantes e uma criança de colo.
Os auxiliares que ficam sobre a ponte auxiliam os motoristas sinalizando a localização das toras de madeira para que ele não saia do “trilho”, caindo em um dos buracos da ponte. Para este trabalho, ele cobram R$ 10 para carros pequenos, R$ 20 para carros grandes e R$ 50 para caminhões.
Após duas horas de espera na fila, o que estava ruim, ainda podia piorar. Em uma das travessias, um motorista de caminhão saiu do trilho e caiu em um buraco da ponte, ficando “travado”. A solidariedade de outros caminhoneiros foi grande e conseguiram um cabo de aço e um caminhão para puxá-lo.
A situação estava muito difícil e optamos por realizar um desvio pela linha Conquista. A convite de um outro motorista, formou-se um comboio de seis veículos para uma aventura pela 7ª Linha. Após 57 km neste desvio enfrentando buracos, lama, poeira e tudo o que uma aventura necessita, saímos à frente do distrito de Araras.
Na localidade, encontramos funcionários da prefeitura de Nova Mamoré distribuindo cestas básicas para a população, que reclamava muito da qualidade e quantidade dos mantimentos. A comerciante Jullye Kelly, proprietárias de um mercado localizado no centro da localidade, disse que seu comércio chegou a ter 1,20 metro de água dentro do estabelecimento.
Assim como muitos moradores, eles fizeram um ‘trepeiro’, uma espécie de jirau, feito com tábuas, e que vai elevando se necessário, conforme o avanço das águas. Tudo isso para proteger as mercadorias e móveis da força da enchente.
“Aqui em frente, moço, era quase 3 metros de água. Essa BR sumiu, a gente só andava de voadeira”, disse a comerciante, que reclama da assistência recebida e da falta de educação dos funcionários da prefeitura que estão para realizar cadastro.
No distrito, cerca de 150 famílias estão dependendo de doações para sobreviver, pois quem tinha criação e alguma plantação, perdeu tudo pela força das águas e agora pela lama que toma conta de toda a cidade.
O comércio local chegou a ficar 70 dias completamente fechado. Os desabrigados foram levados para Nova Mamoré, em alojamentos da Defesa Civil. A funcionária pública Marcia Vargas de Souza Silva, é também presidente de uma associação de mulheres da localidade e reclama que as crianças estão há três meses sem aula na escola do município.
Outra queixa de muitos moradores é o não pagamento da complementação do seguro defeso para os pescadores. “Meu marido é pescador e só recebeu os quatro meses. Falaram que iriam complementar por mais três meses”, disse Marcia, que também pede a presença de psicólogos, assistentes sociais pois “aqui estamos todos abalados”.
Os moradores relatam que muitos animais silvestres morreram, “havia muito jacaré e cobras aqui na frente do comércio”, disse Lania Martins, que tem um dormitório e lanchonete na localidade. Ele é outra que montou um ‘trepeiro’ para salvar seus objetos e móveis.
A água dos poços, dizem os moradores, está totalmente contaminada, pois os poços não são artesianos. “As fossas, água de poço e o rio, virou uma água só. Como que vai beber isso, não dá”, disse Marcia. O que salvou a população foi o poço artesiano da serraria, pois a água que a defesa civil distribuiu é pouca, afirmou.
Outro comerciante, proprietário de uma lanchonete que recebia ônibus de turismo “a qualquer hora do dia ou da noite”, Nelson Marques da Silva, está há três meses sem faturar nada. “Minha casa ficou com 3 metros de água”. Segundo ele a água começou a subir em 1º de fevereiro e iniciou a baixar em 5 de abril.
A dona Abigail Sales, é trabalhadora do lar e disse que nunca havia visto uma correnteza tão grande e tão forte. Mas, segundo ela, trouxe uma coisa boa: a fartura de peixe. Ela e o filho jogaram a malhadeira em um poço formado pelo rio e em uma hora tiraram 200 jaraquis. “Como a carne tá pouco, agora temos o que comer e enchemos o freezer”, falou satisfeita.
Para ela, o engraçado é que falam na televisão que não se deve aproximar da lama, não tocar, etc. “Mas aqui ninguém teve nem uma gripe sequer”. Para ela, a maior doença da localidade é psicológica. “Está todo mundo ainda abalado com o que aconteceu aqui”.
Martim Pagung, proprietário de um comércio ao longo da BR, famoso pelos seus doces e também por receber turistas na lanchonete e restaurante, disse que ficou quase 90 dias sem funcionar. Mas conseguiu “rolar” as dívidas com os fornecedores e já está conseguindo pagar os salários atrasados dos funcionários e parte das contas.
Ele conseguiu salvar quase toda sua estrutura, pois a água foi subindo aos poucos, mas acabou perdendo mercadorias pois elas venceram e também perdeu portas e aberturas. “Fora isso, o prejuízo foi com a reforma, pintura e recolocação deste material”.
Na parte externa, na ponte do igarapé Ribeirão, logo a frente do comércio, é possível visualizar a força das águas do Madeira e o porquê do nome do rio. A margem da rodovia está repleta de troncos e galhos de árvore trazidos pela forte correnteza.
Fonte
Texto: Geovani Berno
Fotos: Esio Mendes
Secom - Governo de Rondônia
Categorias
Agricultura, Agropecuária, Infraestrutura