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21/12/2024

ASAS DE PAPEL

Projeto de leitura diminui pena e dá impulso à ressocialização de apenados em presídios de Porto Velho

25 de abril de 2018 | Governo do Estado de Rondônia

Celso distribui livros duas vezes no Presídio Vale do Guaporé

Duas vezes por semana, o apenado Celso Guedes, 53 anos, distribui obras literárias diversas aos ocupantes de seis pavilhões do Presídio Vale do Guaporé, em Porto Velho.

“Foi o melhor quer me aconteceu aqui”, ele diz. Celso, de Guajará-Mirim, cumpre pena de 13 anos por homicídio. Trabalha no  Centro de Ressocialização, onde começou a funcionar o Projeto Asas de Papel, quatro anos atrás.

“Quero estudar”, diz convicto. Matriculado no curso de ciências contábeis da Unigran, ganhou bolsa do ProUni (Programa Universidade Para Todos) e também conquistou vaga na Universidade Federal de Rondônia (Unir).

Recentemente ele concluiu a leitura de A armadilha de Dante, de Arnaud Delalande, autor francês do gênero policial. Consultando o computador, surpreende ao dizer nomes completos de autores de diversas obras.

A pena diminui quatro dias para cada 30 dias de leitura. Virou febre, relata a professora mestranda em estudos literários, Eliete Maria Souza. “Um deles fez seis resenhas e o limite pode chegar a 12”, conta.

O hábito de leitura aumentou. De janeiro a outubro de 2017 a biblioteca emprestou 365 livros, em sua maioria romances de autores brasileiros. Destes, 132 resenhas contribuem para remição de penas, informa a pedagoga Irlei Rodrigues da Silva Ramalho.

Sete apenados atualmente beneficiados pela reinserção social matricularam-se  nos cursos de arqueologia, biblioteconomia, enfermagem, geografia e pedagogia na Unir.

Nos presídios Milton Soares (conhecido por 470) e Urso Branco, as resenhas começarão a ser feitas até o final do mês. O projeto que custou R$ 258,5 mil oriundos do Departamento Penitenciário Nacional e R$ 25,8 mil da contrapartida estadual atende a nove penitenciárias em Rondônia.

Bibliotecas já funcionam na Casa de Detenção de Ariquemes, Penitenciária Regional de Ji-Paraná, Penitenciária Regional de Rolim de Moura, Colônia Agrícola/Presídio Feminino de Vilhena e Penitenciária Feminina em Porto Velho.

“Alguns apreciam o conteúdo, pegam mesmo os livros para ler, outros capricham na resenha para remir a pena”, lembra Irlei. “No Presídio Aruana a comissão de avaliação corrigiu 52 resenhas em março, e no Vale do Guaporé, 48”.

A leitura é um trabalho intelectual equiparada – para os fins do artigo 126 da Lei 7.210/84 – ao estudo, assinalou na portaria nº 004/2015 o então juiz da Vara de Execuções Penais e Corregedor Permanente dos Presídios da Comarca de Porto Velho, Renato Bonifácio de Melo Dias.

A contagem de tempo para fins de remição de pena em Rondônia será feita segundo os critérios estabelecidos na Portaria Conjunta nº 276 (Remição pela Leitura) de 20/6/2012, do Departamento Penitenciário Nacional.

Apenas 13% da população carcerária recebem algum tipo de estudo no Brasil, apurou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A redução da pena para detentos por meio de estudos é permitida desde 2011 pela Lei de Execução Penal n° 12.433. Veio para os presídios de Rondônia parte do acervo de 20 mil obras do Ministério da Educação autorizadas pela ministra presidente do Supremo Federal, Carmen Lúcia Antunes Rocha.

Entre outros, na distribuição mais recente os apenados leram os seguintes livros: A armadilha de Dante (Arnaud Delalande), A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo], Helena (Machado de Assis), O Mulato (Aluísio de Azevedo),  Memórias de um sargento de milícias (Manuel Antônio de Almeida), Recordações do Escrivão Caminha (Lima Barreto), Senhora (José de Alencar).

“Além dos romances, alguns leem livros que compõem a Bíblia Sagrada”, conta a pedagoga Maria Josinete Marques. Clássico do russo Fiódor Dostoiévski, Crime e Castigo está entre os mais lidos pelos detentos das penitenciárias federais brasileiras, informa o Ministério da Justiça.

Publicada originalmente no século XIX, a obra conta a história de um jovem que comete um assassinato, mas acaba consumido pela culpa. Outras obras que fazem sucesso entre os detentos em diversas regiões do País: Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago), Através do Espelho (Jostein Gaarder), Dom Casmurro (Machado de Assis), Sagarana e Grande Sertão Veredas (ambas de Guimarães Rosa).

“É gratificante trabalhar nesse projeto, e eu acredito que ele teria ainda maior êxito se a classe política sentisse mais profundamente a importância da humanização e de se administrar escolas em presídios”, comenta Maria Josinete.

ROGÉRIO DA SILVEIRA, O PERSEVERANTE

Rogério da Silveira escreveu o primeiro livro dentro do presídio e já está no sexto

Ele alcançou a marca de duzentos livros lidos enquanto cumpriu pena por tráfico de drogas, de 2007 a 2011. Antes das desventuras em Rondônia, Rogério da Silveira Souza, 47, três filhos, nascido em São Bernardo do Campo (SP), trabalhou na Alcoa e na Volkswagen, não encontrou mais empregos tão importantes, mas espera concluir o curso de filosofia nos próximos dois anos, na Unir.

 

“O ser humano é passível de cometer erros, mas é também passível de transformação. Eu me sinto bem melhor”, comenta.

Já é conhecido em Porto Velho seus feitos estão no canal Youtube. Depois de cinco livros publicados, o sexto está em diagramação. Crônicas, reflexões e poemas – compêndio de uma vida no cárcere foi o 1º, escrito dentro do presídio e repaginado para a segunda edição com novo título e adendos: Um bocado de prosa, um dedo de poesia, um emaranhado de vida. O paradoxo sou eu!. O  3º foi Conflito iminente, o desafio no caminho da conquista; o 4º Sem eira nem beira – desventuras intrépidas e inusitadas.

“Hoje o apenado está contido, amanhã estará contigo. A sociedade precisa ter olhos para enxergar a realidade dos frutos que a ressocialização vem produzindo”, apela. No Presídio Vale do Guaporé foi orientador do Projeto Asas de Papel entre 2012 e 2015. Passou um ano em Cuiabá (MT), transmitindo sua experiência de vida ao sistema prisional de lá.

O 5° e o 6º livros  serão: Impropério poético, cuja capa já elaborou, e Brilho no olhar. Vende-os a R$ 25 o exemplar, porta a porta, nas praças e em eventos culturais. Totalizando sete mil exemplares, as edições anteriores esgotaram-se, mas ele imprime crônicas e poemas, oferecendo-os por unidade. Em 2012, sua poesia Brava gente brasileira obteve menção honrosa no 2º concurso literário da Rede Pague Menos, cuja coletânea de autores diversos tem o mesmo nome.

O que é preciso para consolidar o projeto em Rondônia ? – lhe perguntamos. “Se o apenado for efetivamente para dentro do projeto [referindo-se ao espaço de leitura], se sentirá mais à vontade, despertará, e o projeto cresce”. Para Rogério, o fomento ao material humano “permite maior sensibilização e faz o diferencial”.

Tem ideias e sonha. “Para a criança se dá o caldo de feijão e mais tarde a feijoada, o mesmo que fizeram com Camões, que chegou aos jovens pela música Monte Castelo, de Renato Russo. Assim as pessoas vêm pra perto”.

ROGÉRIO BARROS, PIONEIRO

Outro Rogério tem sobrenome Barros, 39, graduou-se em educação na Unir em 2016, ainda em regime fechado, quando cumpria pena de seis anos por homicídio. Esse paraense de Santana do Araguaia, criado em Porto Velho, espera agora obter autorização judicial para alcançar a graduação “sanduíche” proposta para o período de seis meses na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Eu não seria o que sou, se não fosse a reinserção social”, diz ao ser ouvido no 4º andar do Edifício Rio Cautário, sede da Sejus.

Foi Barros quem montou equipamentos com a direção do presídio, auxiliando a assistente social Isa Celeste. Segundo conta, sua dinâmica de trabalho não se limitou a movimentar os carrinhos de compra cheios de livros. “Fiz de tudo para incentivar de fato a leitura”.

Levava reeducandos para dentro do espaço, acreditando que esse seria um lugar de atividade própria. “Abraçada a ideia, auxiliei a direção na seleção dos reeducandos, e com a folha impressa identificava a todos para o chefe da segurança”, relata.

Sempre à tarde, uma vez por semana, Barros transitava nos pavilhões. Ainda não havia sido regulamentada a remissão pela leitura em Rondônia, mesmo assim ele catalogava numa pasta as resenhas feitas pelos apenados. “Deixava claro a todos que não poderia prometer nada, apenas ter expectativa, e fui melhorando, diversificando a oferta de livros de cunho religioso, didáticos, romances, porque cada pessoa tem um gosto, um perfil e uma história”.

Nessa interação nos pavilhões, segundo conta, buscava conversar mais com os apenados, a fim de apurar o interesse literário de cada um. Organizou tudo, inclusive com o registro de frequência para que a direção soubesse quem se interessava pelo futuro projeto.

“Aí, idealizaram a exibição de filmes motivacionais. Percebemos que ao entrar no espaço de leitura, eles se sentiam com maior liberdade de expressão, refletiam, comportavam-se e atendiam à disciplina, afinal estavam em lugar limpo, diferente daquele com cheiro e clima característicos da cela”.

À falta de efetivo profissional e com maior rotatividade, a direção teve que adotar o método atual. Para a mestre em Ciências Criminais, professora e defensora pública Mariana Capellari, remição significa reparação, entretanto, ela acredita que a medida “constitui um direito do preso e não em mero benefício”, mencionando o disposto no artigo 41, inciso II, da Lei de Execuções Penais.

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Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Rosinaldo Machado
Secom - Governo de Rondônia

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